garden of stone


vim de são paulo para londrina na última segunda-feira e hoje é o segundo dia que fico com meu pai no hospital. tenho revezado com minha irmã, que prefere passar a noite aqui para poder ficar com os filhos durante o dia.

desde 2018, quando passei meus 30 dias de férias com minha mãe, ficar no hospital tem virado uma rotina, pelo menos uma vez por ano, com exceção do período da pandemia. foi com ela em 2018 e nos anos seguintes com meu pai. ela não teve a mesma sorte dele e, tivesse meu pai um pouco mais de juízo, talvez a turnê hospital não fosse tão frequente.

o hospital é público e a estrutura é muito boa (VIVA O SUS!), na medida do possível. a equipe do hospital passa direto pra ver como ele está, ele é alimentado durante todo o dia e sempre que precisamos de alguma coisa, somos atendidos. não vi o hospital cheio, na verdade ele é o único paciente do quarto e o quarto em frente ao dele estava vazio até ontem. no final do dia um senhor também de nome josé deu entrada. daqui pude ouvir que ele é sozinho, não fica ninguém de família e/ou conhecido em momento algum, disse uma das enfermeiras.

o que deu pra ouvir também é que ele a cada meia-hora, mais ou menos, bota pra fora aquele vozeirão rouco de cigarro que ele tem e fala “glória a deus”, alternando com “viva nosso senhor jesus cristo” e “louvado seja nosso senhor”. a cada meia hora, igual a cbn, ele tá lá, exaltando sua religiosidade pra todo mundo ouvir.

isso me fez lembrar da minha avó, mãe da minha mãe, que morou conosco por muitos anos. minha família nunca foi religiosa, ou algo parecido. não crescemos em um ambiente cristão, desses de ir à missa aos domingos ou fazermos catequese, por exemplo. até que, depois que minha avó passou mal durante uma madrugada e foi parar no hospital, tudo aquilo mudou. ela lia tudo relacionado ao assunto e depois do jantar ia pro quarto dela assistir esses canais evangélicos sem esquecer, claro, de colocar um copo em cima da tv para abençoá-lo. claro que nunca disse isso pra ela, ou mesmo pra minha mãe, mas aquilo era notadamente um receio, pra não dizer medo, de que a morte estaria mais próxima, como se estivesse na hora de “entrar nos eixos” pra conseguir subir ao reino dos céus.

com minha mãe não foi diferente. não nessa intensidade de colocar copo d’água em cima da mesa, mas passou a rezar mais, ajudar a igreja com o dízimo, essas coisas. meu pai não entrou nessa fase, ainda. pode ser que nem entre, mas acho difícil, vira e mexe fica “oh, deus” e dá aquelas suspiradas de quem tá cansado e arrependido (sei lá do quê).

às vezes me pergunto se comigo será a mesma coisa. acho que não, mas não posso cravar. minha visão sobre religiosidade, deus e tudo relacionado a este assunto é bem definida, íntima e esclarecida. mas, sabe-se lá como será daqui vinte ou trinta anos. 

e pelo jeito o sr. josé do quarto ao lado é a mesma coisa (sim, estou julgando sem ao menos conhecê-lo, é a vida). é “glória” pra cá, “louvado seja” pra lá... como se tivesse preenchendo a cartela do bingo de deus que tem como prêmio um pedacinho lá em cima.

ou talvez seja só pra agradecer que lá no quarto dele tem tv e ar-condicionado, o que não é um padrão no hospital público.


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